sábado, 6 de novembro de 2010

Muitos amigos

"O homem que confessa um amor desmesurado por si mesmo" (...). De facto, ele contradiz sempre o princípio "conhece-te a ti mesmo", desenvolvendo em cada um o engano, e mesmo a ignorância, não só sobre si próprio, mas também sobre as coisas boas e as coisas más que lhe dizem respeito, tornando as primeiras imperfeitas e inacabadas, e as segundas completamente impossíveis de corrigir."

Hoje em dia as pessoas colecionam amigos. Ou melhor, colecionam pessoas que apresentam ao mundo como seus amigos.

Atraves do site Classica Digitalia (http://bdigital.sib.uc.pt:8080/classicadigitalia/) encontrei algo sobre este tema. A parte interessante é que foi escrito por Plutarco em 'Obras Morais' à quase 2000 anos.


"O desejo de frequentar muitas amizades é um obstáculo não menos adverso, entre muitas outras razões, ao desenvolvimento de novas amizades; pois tal como as mulheres dissolutas, estamos envolvidos em frequentes contactos, com muitas e diferentes pessoas, por isso deixamos de poder manter os mais antigos, que são negligenciados e acabam por se afastar. (...) Tudo o que é novidade atrai, para logo a seguir nos desapontar, é sempre a mais recente das flores que encanta e renova e, ao mesmo tempo, quando estamos ocupados com muitas amizades e com relações que se começam, mas que não se concluem, na perseguição ao novo afecto, passamos ao lado do que se estava a desenvolver. (...)
A natureza nada tem de mais raro do que a benevolência e o afecto, temperados pela virtude. Pelo que é uma impossibilidade sentir um afecto sólido e ser apreciado por muitos, pois, tal como os rios, à medida que se dividem em vários braços e regatos, correm cada vez menos caudalosos e mais finos, também uma sólida amizade gerada no espírito enfraquece, quando se divide por muitos. Por essa razão, nos animais, o amor pelas crias é mais forte para aqueles que só dão à luz uma cria de cada vez. (...)Os que vêem muita gente a fazer barulho nas casas dos ricos e dos governantes, a oferecerem‑lhes abraços,a apertar‑lhes as mãos, a escolta‑los, pensam que os que têm muitos amigos são felizes. Na verdade, também podem ver muitas moscas nas suas cozinhas. Mas as moscas, tal como essa multidão, quando se esgota a utilidade do senhor, não ficam depois de as iguarias se terem esgotado.
É que a verdadeira amizade exige acima de tudo três coisas: a virtude como algo belo, a intimidade como algo doce, e a utilidade como algo necessário. De facto, é necessário que um homem seja crítico antes de aceitar um amigo, que tenha prazer na sua companhia, e que a ele recorra quando houver necessidade, condições que
são incompatíveis com a multiplicidade de relações. Mas, sem dúvida, o primeiro, o discernimento, é o de maior importância. (...)
Rapidamente as inimizades vão no encalço das amizades, e se interligam de tal modo que é impossível não se ver envolvido nos juízos que se fazem do amigo, nas humilhações que lhe são infligidas, nas derrotas que sofre. Por um lado, os inimigos de alguém logo olham com reservas e ódio o amigo deste, por outro, com frequência os outros amigos sentem inveja e ciúmes, e tentam desvia‑lo de nós. (...)Não é conveniente desbaratar a virtude, ora acompanhando qualquer um nas suas questões, ora interagindo com quaisquer outros, mas apenas com os que estão à altura de dar a mesma confiança, ou seja, os que são capazes de retribuir igualmente em amor e em companhia. É que a amizade nasce da semelhança, e este é o maior de todos os obstáculos ao facto de se ter um grande número de amigos.
A amizade, busca uma personalidade constante, sólida, e que se mantenha estável num lugar e num convívio contínuo. É esta a razão por que um amigo a valer é raro e difícil de encontrar."

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